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Constituição da República Portuguesa, Artigo 37º

terça-feira, 3 de novembro de 2009

IKEA: enlouqueça você mesmo


Os problemas dos clientes do IKEA começam no nome da loja. Diz-se "Iqueia" ou "I quê à"? E é "o" IKEA ou "a" IKEA"?

São ambiguidades que me deixam indisposto.

Não saber a pronúncia correcta do nome da loja em que me encontro inquieta-me.

E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no "I quê à", quando, para eles, é evidente que estou na "Iqueia".

As dificuldades, porém, não são apenas semânticas mas também conceptuais. Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exactamente verdadeiro.

O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos.

É uma espécie de Lego para adultos.

Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos.

O que digo é que não são móveis.

Na altura em que os compramos, são um puzzle.

A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros.

Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta.
Achei que combinava bem com a minha personalidade.
Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos. Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora.

Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem duas ou três mulas. Eu alombei com a meia tonelada. O que poupei nos móveis, gastei no ortopedista. Neste momento, tenho doze estantes e três hérnias.

É claro que há aspectos positivos: as tábuas já vêm cortadas, o que é melhor do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso aconteça. Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.


Por outro lado, há problemas de solução difícil.

Os móveis que comprei chegaram a casa em duas vezes. A equipa que trouxe a primeira parte já não estava lá para montar a segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no trabalho que tinha sido iniciado pela primeira.

Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens e ficou com um móvel incompleto.

Se fosse um cliente qualquer, eu não me importaria.

Mas como sou eu, aborrece-me um bocadinho.

Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico que o serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem.

Idiossincrasias do comércio moderno.

Que fazer, então?

Cada cliente terá o seu modo de reagir.

O meu é este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confetti num dia e a outra metade no outro.

E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.


Ricardo Araújo Pereira in Visão



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