1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.


Constituição da República Portuguesa, Artigo 37º

domingo, 8 de abril de 2007

Salazar fashion


Deve sublinhar-se, a meu ver, que não foi o concurso que trouxe Salazar de volta ao nosso imaginário colectivo.


A mais da tradicional lemúria de povo pobre e mandrião – ao estilo “o que nós precisávamos era de outro Salazar” – a verdadeira moda em torno da evocação da sua memória está, de há muito a esta parte, bem patente em capas de revista, na profusão de livros sobre ou em torno da sua personagem (sendo que até as memórias de Marcelo Caetano sobre o seu antecessor voltaram a aparecer nos escaparates) e até em debates públicos como o que se tem gerado em torno da eventual reposição da sua estátua, em Santa Comba Dão (mais concretamente, no Vimieiro) ou da criação de um museu alusivo á sua vida, na mesma localidade (este último assunto, diga-se, tem sido mal tratado pelo Edil local, que já possibilitou à cinzenta Ministra da Cultura fazer um brilharete na esquerda empedernida, dada a inconsistência do processo que lhe foi submetido).

Bem vistas as coisas que ocorreram no pós concurso, vejo-me forçado a concluir, todavia, que o grande impulso para o ressurgimento da figura maior do Estado Novo também vem das reacções histéricas de alguns sectores sócio-políticos.

Comportamentos histriónicos como o de Odete Santos não só criam rejeição pelo anti-Salazarismo, como obnubilam o sofrimento daqueles, e sabemos que existiram, que, efectivamente, viram o lado nefasto da II República.

O mesmo pode dizer-se de gente que se acha dona da verdade e da liberdade (não, desta vez não falo de Louçã…), como Vasco Lourenço. O facto de ter contribuído activamente para o 25 de Abril não apaga a especulação sobre a nova Albânia que seríamos se o tivessem deixar levar a dele avante (salvo-seja, quando ao avante…), nem lhe dá o direito de pautar a melodia da vida social do século XXI. O seu tom troglodita ficou bem patente em declarações ao “Público” de 27 de Março, onde pode ler-se que o nosso Coronel entende que os alegados fascistas nunca deixaram de existir (ou seja, reconhece que o apreço por Salazar não é efeito do concurso) e, vendo bem, “nunca de cá saíram. Têm é estado debaixo das secretárias e pensam que neste momento têm condições para pôr as orelhas em pé”. Orelhas em pé?! E não é que o nosso Presidente da Associação 25 de Abril se habilita a conseguir o efeito contrário?!...

Mas entremos numa hipótese menos despeitada: seria bom se Cunhal tivesse governado (isto para pegar no segundo grande português, embora a 22% do primeiro classificado)?

No programa da Antena 1, que já mencionei, escutei um ouvinte dizer que Álvaro Cunhal lutara pela liberdade de expressão. Para não desatar a rir, visto que o Dr. Cunhal me merece respeito intelectual, resta-me concluir que deveremos estar a pensar em Álvaros diferentes, já que é mais provável que isso pudesse ter acontecido com o senhor Álvaro das farturas, que tinha, vai para muito tempo, uma barraquinha em Armação de Pêra, do que com Álvaro Cunhal que, se tivesse sido mandatado para tal, ter-nos-ia convertido num satélite da URSS, o regime que mais gente matou, a par do nacional-socialismo, no século XX. Já lembrei, noutra sede, o exemplo do PCP, que foi dos raros partidos comunistas do mundo que, em 1991, apoiou o golpe de Ianaev que depôs Gorbatchev.

Mesmo o actual PCP é de um anacronismo tamanho que me vem à memória o espanto dos deputados dos parlamentos de Estónia, Letónia e Lituânia que, há menos de 5 anos, durante uma visita oficial, se espantavam por Portugal ainda ter comunistas no Parlamento (apesar do representante do PCP ser um cidadão adorável e um democrata, atesto-o), eles que conheceram bem a força trituradora de Moscovo…

E mais se deve olhar com humildade a evocação pública do Ditador, se pensarmos que os “seus” 41% não se apoiam numa estrutura partidária organizada como se apoiaram os 19% “de” Cunhal, já que não há dúvida de que o Partido Comunista se mobilizou seriamente.

Em suma: estou em crer que não foram “Os Grandes Portugueses” que “acordaram” Salazar, da mesma maneira que acredito que a agressividade caceteira da nossa extrema-esquerda apenas serve para acirrar ressentimentos e não para esclarecer as pessoas sobre o tempo que não volta mais.

Como disse, penso ainda que ignorar o fenómeno torna pior a emenda do que o soneto…

Gonçalo Capitão
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