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Constituição da República Portuguesa, Artigo 37º

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Abril

Já lá vão mais de três décadas. O 25 de Abril aconteceu em 1974. Aquele dia acordou com uma manhã cheia de sonhos. Um povo espezinhado durante meio século acordava para o sonho que generosos militares traziam com armas de paz, com balas que eram cravos vermelhos.

Foi um levantar do chão de um povo humilhado, sem direitos. O sonho libertou os jovens de fazerem uma guerra sem sentido e sem fim. O sonho trouxe a esperança a milhares de cidadãos que tinham saído do país para ganhar a vida, o sonho de voltar à terra mãe, porque cá a terra seria para trabalhar e para produzir pão que matasse a fome. O sonho prometeu que a riqueza seria distribuída com mais justiça e o trabalho dignificado. O sonho prometeu paz, pão, saúde, habitação, e escola sem submissão.

O sonho era grande e a generosidade dos militares parecia infinita.

Ficavam para trás anos de obscurantismo e memórias escuras de um ditador provinciano. Ficava para trás o mapa de um país sem estradas, sem hospitais, sem escolas e os anos de obscurantismo seriam recordados por documentos, num museu de velharias pesadas.



Mas os anos passaram. E os cravos murcharam. Os sonhos de dias de sol tornaram-se sombras de um futuro desconhecido, incerto.

O símbolo das décadas de obscurantismo é o escolhido como figura da nação. Nas terras onde nasceu, fazem-se romagens de saudade, tentando fazer esquecer, recuperar um passado.



As razões são muitas. O sonho está destruído. Hoje, o país é governado por homens que se fizeram políticos sem formação. O país é governado por políticos que desde cedo, jovens ainda sempre se orientaram em função da carreira. Gente medíocre, sem vontade e sem princípios para servir, mas gananciosos e com vontade de serem servidos.

Não temos políticos de causas, temos políticos de carreira.

E o sonho está arruinado. O país que hoje temos não tem as cores do sonho que floriu com Abril. O desemprego grassa. As fábricas fecham e deixam gente jovem sem trabalho com lágrimas de tristeza, porque sempre trabalharam para o engrandecimento da empresa e são, por interesses de mais lucro, atirados para o desemprego, para a inutilidade, descartáveis, inúteis. Jovens para ficarem parados, velhos para começarem nova vida de trabalho.

A saúde que era brilho do sonho, vemos hoje centros de saúde que fecham, maternidades que fecham, urgências hospitalares que fecham, porque os custos, o dinheiro, os lucros, os negócios estão acima, mais importantes que o bem, que a saúde das pessoas. O dinheiro vale mais que as pessoas.

No sonho fazia brilho a liberdade de pensar, de julgar, de falar, mas sentimos e ouvimos que outras censuras mais subtis, mais manhosas, mais dissimuladas se instalaram e silenciam vozes discordantes.

A pobreza cresce e alastra pelo país, mas os lucros, os negócios dos grandes acumulam riquezas sem fim. Nos dias que vivemos, milhares de pessoas que sempre trabalharam são atiradas para a margem do trabalho, sem dinheiro para o pão dos filhos que crescem para um futuro de incertezas, mas ouvimos e lemos que administradores, gerentes e importantes deixam empresas em decadência, mas vão com prémios, indemnizações escandalosas de milhões e já noutros sítios administram outros serviços.

A gamela é grande, mas dela poucos comem.

A corrupção alastra oleosa, sem barreiras que a detenham.

A reforma agrária, que era estrela do sonho de Abril, acabou. Hoje, as terras, onde muita gente sonhou e suou, estão abandonadas ou servem para festanças de gente fina. E o país come do que vem de fora. A terra está abandonada.

O 25 de Abril já lá vai. Foi um sonho. É memória de um sonho. Resta-nos a recordação!... Manuel Miranda


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