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Constituição da República Portuguesa, Artigo 37º

quinta-feira, 22 de março de 2007

TGV e OTA - um imbróglio

Passado o calor dos comentários acerca da reestruturação consular que, no caso do Brasil e com excepção de Santos, parece que, com as decisões tomadas, os ânimos se acalmaram. Resta saber se esta reestruturação é a que melhor serve os interesses e as necessidades dos portugueses no estrangeiro. Não acredito que a manutenção de Curitiba, que tem recebido várias referências muito elogiosas, se deva a uma influência junto do largo do Rato porque, a ser assim, algo vai muito mal no "reino da Dinamarca", quer dizer, Portugal.
Foram-se os consulados, dois novos assuntos ganharam as luzes da ribalta, exaltando de novo os ânimos com comentários em que, muitas vezes, o lado emocional toma o lugar da razão. Houve até quem falasse da Ota dos otários.
O TGV e a OTA, ainda que haja somas fabulosas envolvidas, são dois projectos inteiramente diferentes. Enquanto que o primeiro pretende melhorar o transporte ferroviário de ligação com a Europa, o segundo pretende deslocar para fora de Lisboa o seu aeroporto cujas motivações são, no mínimo, discutíveis.
Acho que sim, que o TGV deve ser levado por diante, sob pena do país ficar irremediavelmente atrasado em relação ao resto da Europa. Não faz nenhum sentido as pessoas reclamarem permanentemente do atraso em que o país se encontra e depois estarem contra o TGV. Seria bonito todos os países serem servidos por esses comboios de alta velocidade e Portugal ficar com os seus comboios normais, orgulhosamente só como, em certo período da nossa História se considerou, com as consequências que todos conhecemos. Seria uma repetição do que se viveu durante muitos anos, em que a A1 ia de Lisboa a Vila Franca de Xira, para recomeçar nos Carvalhos e terminar na ponte da Arrábida no Porto. Lembro-me muito bem dos comentários de muitos portugueses sobre as magníficas autoestradas espanholas e francesas, dizendo que se sentiam desgostosos e envergonhados quando entravam em Portugal e tinham que cicular nas nossas miseráveis estradas. Muitos deles estão, talvez, contra a ideia do TGV. Mas a memória é curta e a emoção, como disse atrás, substitui-se ao racional. Das duas uma, ou queremos acompanhar o nível de desenvolvimento da Europa, ou não.
A Ota é outra coisa, é um problema antigo, já quase transformado em mito. A ideia não é deste governo nem dos anteriores, a ideia já vem muito de trás. Já no tempo de Salazar se equacionava o problema da mudança do aeroporto de Lisboa. Quando estive na Ota, de 1964 a 65, já se falava que ali seria o local ideal para construir o novo aeroporto de Lisboa. Depois, ao longo dos anos, o assunto vinha de vez em quando à baila. A alternativa para a Ota era o Montijo, mas esta era normalmente descartada pela forte incidência de nevoeiros que ali se fazem sentir em grande parte do ano.
O argumento principal para a desactivação do aeroporto da Portela é o de que já está, praticamente, no centro da cidade, e que o constante movimento de aterragens e descolagens sobre a cidade é um risco muito grande para a segurança das zonas que são sobrevoadas, incluindo o hospital de Santa Maria. Isto é verdade, mas Lisboa não é caso único com um aeroporto nestas condições.
O argumento de que o aeroporto de Lisboa já atingiu o ponto de saturação é falso, pois está ainda muito longe disso. Com um movimento anual de 9 a 10 milhões de passageiros, os especialistas prevêem que o aeroporto só ficará realmente saturado quando atingir a quota de 30 milhões, o que levará naturalmente muitos anos para acontecer.
São irrelevantes os argumentos de que a construção do aeroporto da Ota levaria à remoção de milhões de toneladas de terra e que o aeroporto ficaria muito distante de Lisboa. Outros aeroportos estão ainda mais distantes das suas cidades como, por exemplo, o novo aeroporto de Oslo, na Noruega, que fica a 48 quilómetros. O da Ota ficaria a 43 quilómetros. O grande problema de um aeroporto na Ota tem a ver com o acesso dos passageiros. A A1, entre o qulómetro 0 e o 38 já é uma via saturada de tráfego automóvel, com grande incidência de acidentes. O aeroporto da Ota iria acrescentar cerca de 20.000 veiculos diários numa via já saturada. Os acessos ferroviários são inexistentes, poderia construir-se uma via a partir da gare do Oriente, com comboios rápidos, mas estes só serviriam uma pequena parte da população, a maioria das pessoas do Distrito de Lisboa~, para usar a gare do Oriente, teria que fazer uma viagem para trás, para depois seguir para o aeroporto. O acesso às populações do interior e do norte é ainda mais complicado, tanto de automóvel como de comboio. Seria necessário construir novas redes viárias e ferroviárias, o que elevaria os custos de maneira astronómica.
A manutenção do aeroporto da Portela tem todas as vantagens. A gare do Oriente fica a cerca de 2 quilómetros, o que torna o acesso ao aeroporto fácil para quem venha de comboio. Está próximo do centro da cidade, tornando os transportes muito mais baratos. A rede viária já existente pode ser melhorada.
As principais restrições do aeroporto da Portela prendem-se com o estacionamento de aviões de grande porte e com o taxiway, as vias onde os aviões circulam para descolar e depois de aterrarem. Mas tudo isto pode ser melhorado, pode-se estender o taxiway para norte, evitando que os aviões circulem na própria pista de aterragem e descolagem, limitando desta forma o movimento de aviões. Pode-se construir uma nova pista, mais afastada da gare, permitindo o estacionamento de aviões de grande envergadura, com ligação ao terminal através de mangas. São obras muito dispendiosas e que poderão provocar problemas no normal funcionamento do aeroporto, mas julgo serem preferíveis à simples transferência para um novo aeroporto, distante da cidade e com problemas sérios de acesso.
Evidentemente que há interesses obscuros por detrás de toda esta trama de tentar construir um novo aeroporto na Ota. Já se falou aqui da especulação dos terrenos à volta da Ota. Mas os maiores interesses estão talvez nos terrenos onde está localizado o aeroporto da Portela. Como aconteceu com a zona da Expo98, onde se tem vindo a construir prédios de luxo, os terrenos da Portela são uma mina de ouro. Desactivado o aeroporto, os seus terrenos seriam o negócio do século. Está talvez aqui o cerne do problema e a origem das pressões para a construção do aeroporto da Ota. A ideia de que o aeroporto da Portela ficaria apenas para voos regionais perde fôlego face ao TGV, mais barato e mais rápido que o avião para percursos até 500 quilómetros. Assim, com oTGV, os voos regionais ficarão quase anulados, não justificando a manutenção de um aeroporto como o da Portela para os servir.
Em conclusão, TGV sim e OTA não. Qualquer obra no aeroporto da Portela, por mais dispendiosa que seja, é sempre muito mais barata do que a construção de um aeroporto na Ota.
Manuel O. Pina


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